Em novembro de 2012, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, auxiliado pelos reitores das três universidades públicas do estado (USP, Unicamp e UNESP), veio à público anunciar um programa de cotas para as respectivas instituições. O projeto, denominado Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (PIMESP), tem como objetivo a “inclusão com mérito”, ou seja, os estudantes cotistas terão suas vagas garantidas para um college (sistema americano de ensino, em que o aluno faz um curso básico antes de escolher uma especialidade) semi presencial.
A violência e a falta de acesso a
direitos básicos, como saúde, educação e moradia, são parte do cotidiano da
maioria de nossos jovens. São Paulo é uma cidade dominada pela especulação
imobiliária, a única cidade na qual o número de imóveis desocupados é maior que
a população sem moradia. A violência nas periferias mata milhares de jovens,
que vivem sob o fogo cruzado entre o tráfico e a polícia. A falta de
perspectiva rouba de nossos jovens o direito de sonhar com um futuro melhor.
Basta observar com cuidado algumas estatísticas para perceber que quem
mais sofre com tudo isso são os jovens negros. Isso porque o racismo presente
em nossa sociedade, produto de mais de 400 anos de escravidão, marginaliza a
população negra. Um jovem negro tem 100% a mais de chance que um jovem branco
de ser assassinado, os policiais identificar a pele negra como “cor padrão” dos
bandidos e criminosos, os primeiros a serem perseguidos.
O impacto dessa realidade na área da educação é categórico. Os dados do
governo não deixam dúvidas. Em 2009, por exemplo, a taxa de analfabetismo entre
os afrodescendentes era mais do que o dobro (13,42%) daquela registrada entre
brancos (5,94%).
No ensino superior brasileiro, enquanto os jovens brancos compõem 21,3%
dos matriculados, os negros não ultrapassam 8,3% das vagas. No caso da USP, os
estudantes negros somam no máximo 14% das vagas, e nos cursos mais concorridos
como Medicina e Direito não somam nem 1%.
Não há nada que justifique essas gritantes diferenças, senão a situação
de desigualdade entre negros e brancos, num país marcado por uma história de
racismo e exclusão social.
Assim, pautar a questão das cotas raciais é um dever dos governos, por
todo descalabro que sofreram e ainda sofrem os negros cotidianamente em nossa
sociedade. As cotas raciais são, hoje, uma reparação histórica exigida pelos
400 anos de escravidão, o reconhecimento do racismo e da dura situação da
população negra. A juventude negra não pode esperara mais, é hora de incluir
toda uma geração no ensino superior.
A ideia implícita em tal programa é a
noção elitista e racista de que os estudantes cotistas seriam um entrave ao
desenvolvimento da universidade caso não dotados de mesmo “conhecimento” que os
estudantes não-cotistas supostamente possuem. Consideramos tal ideia ilegítima
dado que pesquisas apontam que o desempenho de cotistas é igual ou superior ao
dos demais estudantes e de que nenhum estudante deve ter seu conhecimento
medido e reduzido às lógicas de mercado vigentes nas universidades atualmente.
Além disso, criticamos o fato de que,
no PIMESP, não há desvinculação entre cotas raciais e sociais, ou seja,
destinar o percentual de cotas raciais de acordo com a composição étnico-racial
do estado não irá incidir sobre o total de vagas, mas dentro dos 50% de vagas
destinados a estudantes de escola pública (o que reduz o percentual de cotas
por critério racial, portanto). Por fim, no que diz respeito à permanência,
alunos com renda familiar inferior a 1,5 salário mínimo (R$933,00) receberão
uma bolsa-auxílio de R$311,00, abaixo do valor das bolsas oferecidas atualmente
aos alunos, como no caso da USP, que são em torno de R$450,00.
Esse programa é uma ofensa aos anos
de luta que os movimentos sociais travaram para garantir acesso e reparação à
população negra e pobre. Repudiamos completamente esse programa e exigimos que
a implementação de cotas seja feita em conjunto com os movimentos sociais. Há
espaços criados que vem discutindo isso, como a Frente Pró-cotas Raciais do
Estado de São Paulo, que tem total capacidade de criar um programa que atenda
de fato à população negra. Uma das tarefas que cabem à Universidade de São
Paulo é a de promover políticas significativas de inclusão e permanência da
população negra e pobre. A responsabilidade social da USP é posta em xeque com a
decisão unânime do STF, em 2012, de que as cotas raciais são constitucionais. A
Frente Pró-cotas Raciais da USP espera que possa ser implantado um projeto de
ação afirmativa que efetivamente dialogue com as reivindicações históricas do
movimento negro e da esquerda.
Queremos cotas raciais já, desvinculadas das cotas sociais,
proporcionais a porcentagem de negros no estado, ou seja, 35% das matrículas
das universidades estaduais paulistas e da FATEC. Além disso, reivindicamos
políticas de permanência estudantil, com moradia, bolsas, creches, restaurante
universitário e transporte, voltadas especificamente aos alunos cotistas.
